Virtudes de minha mãe
A princípio, a sogra irritava-se contra ela, devido aos mexericos de servas intrigantes; mas foi também conquistada pelo respeito e pela perseverança na paciência e na doçura, de tal modo que ela própria quis denunciar ao filho, pedindo que fossem punidas as línguas malévolas que se interpunham entre ela e a nora, perturbando a paz familiar.
(...)
Concedeste ainda, 'ó meu Deus e minha misericórdia' (Sl 58:18), um dia, um grande dom àquela tua fiel serva, em cujo seio me criaste. Sempre que havia discórdia entre pessoas, ela procurava, quando possível, mostrar-se conciliadora, a ponto de nada referir de uma a outra, senão o que podia levá-las a se reconciliarem. E isso fazia, depois de ter ouvido de um lado, as queixas amargas que costumam surgir nos casos de forte antipatia, quando o rancor provoca as mais ásperas acusações contra as amigas ausentes. Esse dom me pareceria de pouca importância, se uma triste experiência não me houvesse mostrado que grande número de pessoas - não sei qual horrendo e muito difundido contágio do pecado - não só repetem a pessoas inimigas o que umas dizem das outras, sob o mais foram pronunciadas. Para uma pessoa realmente humana, não será suficiente limitar-se a não provocar ou aumentar as inimizades, com ditos malévolos, mas também procurar extingui-las com boas palavras.
Assim era minha mãe, graças às lições que tu, seu mestre espiritual, lhe ensinaste. E ao final, nos últimos anos de vida do marido, ela o conquistou para ti. Depois da conversão deste, ela não precisou mais lamentar os ultrajes que antes sofria.
Minha mãe era a serva de todos os teus servos. Todos os que a conheciam louvavam, honravam e amavam profundamente a ti, por nela sentirem a tua presença, comprovada pelos frutos de uma vida santa. Tinha sido esposa de um só marido, tinha cumprido seu dever para com os pais, tinha governado a casa com dedicação e dado o testemunho das boas obras. Educara os filhos, gerando-os de novo tantas vezes quantas os visse afastarem-se de ti. Enfim, ainda antes de adormecer para sempre no Senhor, quando já vivíamos em comunidade depois de ter recebido a graça do batismo - já que por tua bondade, ó Senhor, como se nos tivesse gerado a todos, servindo a todos nós, como se fosse filha de cada um."
Extraído de Confissões IX.9, Editora Paulus, 1997, pp. 252-254.
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